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sábado, 18 de junho de 2016

Historia da igreja medieval (3)


O PAPADO: SUA ORIGEM, EVOLUÇÃO HISTÓRICA E SIGNIFICADO ATUAL.

PORTAL MAKENZIE / Alderi S. de Matos






Em 2005, boa parte do mundo acompanhou com vivo interesse os acontecimentos dramáticos ligados à morte de João Paulo II e à eleição do seu sucessor, Bento XVI. Qualquer que seja o entendimento que se tenha a respeito dos líderes supremos do catolicismo, o fato é que os papas são personagens muito importantes no mundo atual, ocupam enorme espaço na mídia e suas ações transcendem a área especificamente religiosa para produzir efeitos no âmbito político e social. Tais razões, entre outras, justificam o estudo dessa poderosa e influente instituição.


1. Considerações bíblicas 

                Do ponto de vista protestante, o papado não é uma instituição de origem divina, mas resultou de um longo e complexo processo histórico. As Escrituras não apontam esse ofício como uma ordenança de Cristo à sua igreja. É verdade que o Senhor proferiu a Pedro as bem conhecidas palavras: "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja" (Mt 16.18). Todavia, isto está muito longe de declarar que Pedro seria o chefe universal da igreja (o primado de Pedro) e que a sua autoridade seria transmitida aos seus sucessores (sucessão apostólica). As primeiras gerações de cristãos não entenderam as palavras de Cristo dessa maneira. Tanto é que não se vê em todo o Novo Testamento qualquer noção de que Pedro tenha ocupado uma função formal de liderança na Igreja Primitiva. No chamado "Concílio de Jerusalém", narrado no capítulo 15 de Atos dos Apóstolos, isso não aconteceu, e o próprio Pedro não reivindica essa posição em suas duas epístolas. Antes, ele se apresenta como apóstolo de Jesus Cristo e como um presbítero entre outros (1 Pe 1.1; 5.1). 

                Mais difícil ainda é estabelecer uma relação inequívoca entre Pedro e os bispos de Roma. Os historiadores não encontram uma base absolutamente segura para afirmar que Pedro sequer tenha estado em Roma, quanto mais para admitir que ele tenha sido o primeiro bispo daquela igreja. Ademais, é um fato bem estabelecido que não houve episcopado monárquico no primeiro século, no âmbito do cristianismo. As igrejas eram governadas por colegiados de bispos ou presbíteros (ver Atos 20.17 e 28; Tito 1.5 e 7). 

2. Origens da instituição


                Ao mesmo tempo, não se pode deixar de reconhecer que ainda na Igreja Antiga os bispos de Roma alcançaram grande preeminência, que o papado em muitas ocasiões prestou serviços crucialmente relevantes à Igreja e à sociedade e que muitos papas foram homens de grande piedade, integridade moral, saber teológico e habilidade administrativa. Ao longo dos séculos, muitos dos principais eventos da história do cristianismo nas áreas da teologia, organização eclesiástica e relações entre a Igreja e a sociedade tiveram conexão com a instituição papal. Originalmente, a palavra grega papas ou a latina papa foi aplicada a altos oficiais eclesiásticos de todos os tipos, especialmente aos bispos. A partir de meados do quinto século passou a ser aplicada quase que exclusivamente aos bispos de Roma. Foram múltiplos e complexos os fatores que levaram ao reconhecimento de que esses bispos detinham autoridade suprema sobre a Igreja ocidental. 

                Em primeiro lugar, há que se destacar a importância crescente da igreja local de Roma desde o primeiro século. O livro de Atos dos Apóstolos termina com a chegada de Paulo a Roma. O apóstolo aos gentios escreveu a principal de suas epístolas a essa igreja e no segundo século surgiu uma tradição insistente de que tanto Paulo como Pedro, os dois apóstolos mais destacados, haviam sido martirizados naquela cidade. Além disso, já numa época remota a igreja de Roma tornou-se a maior, a mais rica e a mais respeitada de toda a cristandade ocidental. Outro fator que contribuiu para a ascendência da igreja romana e do seu líder foi a própria centralidade e importância da antiga capital do Império Romano. Ao contrário da região oriental, em que várias igrejas (Alexandria, Jerusalém, Antioquia e Constantinopla) competiam pela supremacia em virtude de sua antigüidade e conexões apostólicas, no Ocidente a igreja de Roma desde o início foi praticamente a líder inconteste. Outrossim, a partir de Constantino muitos imperadores romanos fizeram generosas concessões àquela igreja, buscaram o conselho dos seus bispos e promulgaram leis que ampliaram a autoridade dos mesmos. 

                Outro elemento importante é que desde cedo a igreja romana e os seus líderes reivindicaram, direta ou indiretamente, certas prerrogativas especiais. No final do primeiro século (ano 96), o bispo Clemente enviou em nome da igreja de Roma uma carta à igreja de Corinto para aconselhá-la e exortá-la quanto a alguns problemas que a mesma estava enfrentando. Um século depois, o bispo Vítor (189-198) exerceu considerável influência na fixação de uma data comum para a Páscoa, algo muito importante face à centralidade da liturgia na vida da Igreja. As consultas entre outros bispos e Roma também datam de uma época antiga, embora a primeira decretal oficial (carta normativa de um bispo de Roma em resposta formal à consulta de outro bispo) só tenha surgido em 385, com o papa Sirício. Por volta de 255, o bispo Estêvão utilizou a passagem de Mateus 16.18 para defender as suas idéias numa disputa com Cipriano de Cartago. E Dâmaso I (366-384) tentou oferecer uma definição formal da superioridade do bispo romano sobre todos os demais.


3. Alguns papas notáveis 

                Essas raízes da supremacia eclesiástica romana foram alimentadas pelas atividades capazes de muitos papas. No quinto século, destacou-se sobremaneira a figura de Leão I (440-461), considerado por muitos "o primeiro papa". Leão exerceu um papel estratégico na defesa de Roma contra as invasões bárbaras e escreveu um importante documento teológico sobre a pessoa de Cristo (o Tomo) que exerceu influência decisiva nas resoluções do Concílio de Calcedônia (451). Além disso, ele defendeu explicitamente a autoridade papal, articulando mais plenamente o texto de Mateus 16.18 como fundamento da autoridade dos bispos de Roma como sucessores de Pedro. Seu sucessor Gelásio I (492-496) expôs a célebre teoria das duas espadas: dentre os dois poderes legítimos que Deus criou para governar no mundo, o poder espiritual - representado pelo papa - tinha supremacia sobre o poder secular sempre que os dois entravam em conflito.
  
                O apogeu do papado antigo ocorreu no pontificado do notável Gregório I ou Gregório Magno (590-604), o primeiro monge a ocupar o trono papal. Sua lista de realizações é impressionante. Ele supervisionou as defesas romanas contra os ataques dos lombardos, realizou complicadas negociações com o imperador bizantino, saneou as finanças da Igreja e reorganizou os limites e responsabilidades das dioceses ocidentais. Ele foi também um dedicado estudioso das Escrituras: suas exposições bíblicas, especialmente um comentário do livro de Jó, foram muito lidas em toda a Idade Média. Seus escritos sobre os deveres dos bispos deram forte ênfase ao cuidado pastoral como uma atividade prioritária. Ele reformou a liturgia, regularizou as celebrações do calendário cristão e promoveu a música sacra ("canto gregoriano"). Finalmente, Gregório foi um grande promotor de missões, enviando missionários para vários centros estratégicos do norte e do oeste da Europa e expandindo a área de jurisdição do papado.


                Um momento especialmente significativo na evolução do papado ocorreu no Natal do ano 800, quando o papa Leão III coroou Carlos Magno como Sacro Imperador Romano. A esta altura, a complexa associação dos elementos citados (e outros mais) havia criado uma situação na qual o bispo romano era amplamente considerado o principal personagem eclesiástico do Ocidente, bem como o representante do cristianismo ocidental junto ao Oriente. Algumas décadas antes, o pai de Carlos Magno havia cedido à Igreja os amplos territórios do centro e norte da Itália que vieram a constituir os estados pontifícios. Isso fez dos papas governantes seculares como os demais soberanos europeus. Por vários séculos, os papas teriam um relacionamento estreito e muitas vezes altamente conflitivo com esses governantes. Mas a sua autoridade como líderes máximos da Igreja Ocidental não seria questionada.


4. Decadência e renovação


                O papado também teve seus períodos sombrios, marcados por imoralidade e corrupção. Um desses períodos ocorreu entre o final do século IX e o início do século XI, quando a instituição papal foi controlada por poderosas famílias italianas. A história revela que um terço dos papas dessa época morreu de forma violenta: João VIII (872-882) foi espancado até a morte por seu próprio séquito; Estêvão VI (885-891), estrangulado; Leão V (903-904), assassinado pelo sucessor, Sérgio III (904-911); João X (914-928), asfixiado; e Estêvão VIII (928-931), horrivelmente mutilado, para não citar outros fatos deploráveis. Parte desse período é tradicionalmente conhecida pelos historiadores como "pornocracia", numa referência a certas práticas que predominavam na corte papal.


                A partir de meados do século XI, surgiram vários papas reformadores que procuraram moralizar a administração da Igreja, lutando contra vários males que a assolavam. O mais notável foi Hildebrando ou Gregório VII (1073-1085), que se notabilizou por sua luta contra a simonia, ou seja, o comércio de cargos eclesiásticos, e ficou célebre por sua confrontação com o imperador alemão Henrique IV. Ele escolheu como lema do seu pontificado o texto de Jeremias 48.10: "Maldito aquele que fizer a obra do Senhor relaxadamente". Todavia, o ápice do poder papal ocorreu no pontificado de Inocêncio III (1198-1216), considerado o papa mais poderoso de todos os tempos, aquele que, mais do que qualquer outro, concretizou o ideal da "cristandade", ou seja, uma sociedade plenamente integrada sob a autoridade dos reis e especialmente dos papas. Ele foi o primeiro a utilizar o título "Vigário de Cristo", ou seja, o papa era não somente o representante de Pedro, mas do próprio Senhor. Seus sucessores continuaram por algum tempo a fazer ousadas reivindicações de autoridade sobre toda a sociedade, sem, contudo, transformá-las em realidade como o fizera Inocêncio.


5. O fim do período medieval


                Novo período de declínio e desmoralização do papado ocorreu no século XIV e início do século XV. Primeiro, os papas residiram na cidade de Avinhão, ao sul da França, por mais de setenta anos (1305-1378), colocando-se sob a influência dos reis franceses. Esse período ficou conhecido como "o cativeiro babilônico da Igreja". Em seguida, por outros quarenta anos (1378-1417), houve dois e finalmente três papas simultâneos (em Roma, Avinhão e Pisa), no que ficou conhecido como "O Grande Cisma". Essa situação embaraçosa foi sanada por vários concílios reformadores, especialmente o de Constança, que reivindicaram autoridade igual ou mesmo superior à dos papas. Em reação, estes reafirmaram ainda mais enfaticamente a sua autoridade suprema sobre a Igreja.


                O final do século XV e início do século XVI testemunhou o pontificado dos chamados "Papas do Renascimento", os quais, ao contrário de muitos de seus predecessores ou sucessores, tiveram escassas preocupações espirituais e pastorais. Como o papa Alexandre VI (1492-1503), o espanhol Rodrigo Borja dedicou-se prioritariamente a promover as artes e a embelezar a cidade de Roma; Júlio II (1503-1513) foi um papa guerreiro, comandando pessoalmente o seu exército; e Leão X (1513-1521) teria dito ao ser eleito: "Agora que Deus nos deu o papado, vamos desfrutá-lo". Foi ele quem despertou a indignação do monge agostiniano Martinho Lutero ao autorizar uma venda especial de indulgências na Alemanha para concluir as obras da Catedral de São Pedro. O resultado dessa indignação é conhecido de todos.


6. Os papas da Contra-Reforma


                A Reforma Protestante do século XVI despertou a cúpula da Igreja Católica do estado de letargia espiritual e omissão pastoral em que se encontrava. A reação católica teve duas manifestações complementares. Por um lado, Roma empenhou-se em combater o novo movimento, detendo o seu crescimento e procurando suprimi-lo onde fosse possível, como aconteceu na Espanha e na Polônia. Esse esforço recebeu o nome de "Contra-Reforma". Por outro lado, a Igreja Romana, consciente das distorções espirituais e morais apontadas pelos reformadores, fez uma autocrítica rigorosa e um esforço sério no sentido de corrigir os seus erros, aperfeiçoar a sua estrutura e explicitar melhor a sua fé. Esse aspecto é denominado pelos historiadores de "Reforma Católica". Nos dois esforços, os papas tiveram uma atuação destacada.


                Até o início da década de 1530, o trono pontifício continuou a ser ocupado por homens excessivamente envolvidos em questões seculares e políticas. Essa situação mudou quando Alessandro Farnese tornou-se o papa Paulo III (1534-1549). Farnese nomeou uma comissão de cardeais que avaliou a situação da Igreja e propôs medidas saneadoras, entre elas que o papado se concentrasse nas suas tarefas espirituais e deixasse em segundo plano a preocupação com o poder, a opulência e a dignidade terrena. Outras duas grandes realizações de Paulo III foram a aprovação formal da nova ordem dos jesuítas ou Companhia de Jesus (1540) e a convocação do Concílio de Trento (1545-1563).


                Esse famoso Concílio afastou definitivamente qualquer possibilidade de conciliação com os protestantes. Desde então, o catolicismo conservador e militante tem sido designado como "tridentino" (de Trento). Entre as suas muitas e importantes resoluções, o concílio reafirmou o papel dominante dos papas na vida da Igreja. Outros destacados pontífices da era de Trento foram Giovanni Pietro Caraffa (Paulo IV, 1555-1559) e Giovanni Angelo Medici (Pio IV, 1559-1565). Este último tem seu nome ligado a uma importante declaração de fé católica, o Credo de Pio IV ou Profissão de Fé Tridentina, que deve ser afirmada por todos os convertidos ao catolicismo. Esses papas reformadores contribuíram decisivamente para tornar a Igreja Católica uma instituição mais coesa, organizada e disciplinada, bem como dotada de uma clara identidade doutrinária. Um fato revelador é que por mais de trezentos anos nenhum outro grande concílio seria convocado até o Vaticano I.


7. Tensões entre Igreja e Estado


                Nos séculos XVII e XVIII, as antigas ligações entre a Igreja Católica e as autoridades seculares continuaram a criar problemas para os papas. O Concílio de Trento contribuiu para a centralização do poder no papado e isso não foi bem recebido em muitas partes da Europa devido ao crescente nacionalismo e ao absolutismo real. A oposição ao conceito de uma Igreja centralizada sob a autoridade papal recebeu o nome de "galicanismo", por haver se manifestado mais fortemente na França, a antiga Gália. Assim, somente em 1615 os decretos de Trento foram promulgados nesse país. Até mesmo dentro da Igreja houve galicanos, isto é, aqueles que acreditavam que a autoridade eclesiástica residia nos bispos, e não no papa. Por outro lado, os defensores da autoridade suprema dos papas foram chamados de "ultramontanistas", porque buscavam essa autoridade "além das montanhas" (os Alpes). Outro golpe recebido pelo poder papal foi a supressão da ordem dos jesuítas, um poderoso instrumento das políticas pontifícias. Após ser expulsa de Portugal, Espanha e França, bem como de suas colônias latino-americanas, a Sociedade de Jesus foi dissolvida em 1773 pelo papa Clemente XIV. Assim, ironicamente, enquanto os papas insistiam na sua jurisdição universal, eles estavam de fato perdendo poder e autoridade.


                Um golpe ainda mais devastador contra o papado foi desferido pela Revolução Francesa (1789). Desde o início houve um profundo conflito entre a Igreja e o ideário republicano da Revolução. Desse modo, logo que tomou o poder, o novo governo procurou enfraquecer o papado e suprimir a Igreja na França. Dois papas da época sofreram bastante nas mãos do novo regime. O primeiro foi Giovanni Angelo Braschi ou Pio VI (1775-1799). Em 1798, o exército francês ocupou Roma, proclamou uma república e declarou que o papa não mais era o governante temporal da cidade. Pio VI morreu no ano seguinte, virtualmente como prisioneiro dos franceses. Seu sucessor, Barnaba Chiaramonte, eleito papa Pio VII (1800-1823), inicialmente foi deixado em paz. Todavia, em 1808 Napoleão tomou a cidade de Roma e o papa foi feito prisioneiro por vários anos, até a queda do soberano francês em 1814. Pouco depois de retornar a Roma, Pio VII restaurou a Sociedade de Jesus.


8. O mais longo pontificado


                A memória da Revolução Francesa reforçou o conservadorismo político e teológico dos papas e sua conseqüente oposição às idéias republicanas e democráticas que viriam a ser cada vez mais amplamente aceitas no mundo ocidental. Essa atitude alcançou a sua expressão máxima no cardeal Giovanni Maria Mastai-Ferretti, que, como papa Pio IX, teve o mais longo pontificado da história (1846-1878). Pio IX enfrentou um novo problema que foi o nacionalismo italiano e a luta pela unificação da Itália, até então subdividida em muitos principados, entre os quais estavam os antigos estados pontifícios. Um desses líderes nacionalistas foi Giuseppe Garibaldi, que se casou com a brasileira Anita Garibaldi. Em 1870, as tropas do novo Reino da Itália tomaram os estados papais e assim chegou ao fim o poder temporal dos papas, que havia atingido o seu auge no pontificado de Inocêncio III, no século XIII.


                Ao mesmo tempo em que perdia o seu poder político, Pio IX acentuou fortemente as suas prerrogativas na área religiosa. Sua ousadia tornou-se patente quando, através da bula Ineffabilis, proclamou o dogma da imaculada concepção de Maria (1854). Com isso, ele foi o primeiro pontífice a definir um dogma por si mesmo, sem o apoio de um concílio. Dez anos depois, Pio promulgou a encíclica Quanta cura (1864) e seu famoso apêndice, o Sílabo de Erros. Suas oitenta proposições condenaram explicitamente, entre outras coisas, o protestantismo, a maçonaria, a liberdade de consciência, a liberdade de culto, a separação entre a Igreja e o Estado, a educação leiga e, em geral, o progresso e a civilização moderna. Sua última grande realização foi o Concílio Vaticano I (1870), o qual, através do decreto Pastor aeternus, proclamou o controvertido dogma da infalibilidade papal. Essa infalibilidade ocorreria quando o papa fala "ex cathedra", isto é, no exercício oficial do seu cargo, definindo questões de fé e moral. Não por coincidência, isso ocorreu no mesmo ano em que a Itália anexou os estados pontifícios.


9. Entrando no século XX


                A Igreja Católica e seus pontífices começaram lentamente a aceitar o mundo moderno com o papa Leão XIII (1878-1903). Embora ainda marcadamente conservador, a ponto de declarar na bula Immortale Dei que a democracia era incompatível com a autoridade da Igreja, ele deu uma série de passos construtivos no relacionamento com diversos governos europeus. Sua realização mais notável foi a encíclica Rerum novarum (1891), na qual expressou o pensamento social da Igreja e fez uma corajosa defesa dos direitos dos trabalhadores no contexto da revolução industrial e do capitalismo em expansão.


                Um período especialmente conturbado para a Igreja Católica e para os seus líderes foi a época das duas guerras mundiais. Em sua repulsa do comunismo anti-religioso e ateu, e em sua preocupação com a defesa dos interesses da Igreja, os pontífices do período acabaram estabelecendo fortes laços com regimes de extrema direita em diversos países da Europa. Em 1929, Pio XI (1922-1939) assinou uma concordata com o ditador fascista Benito Mussolini, o Tratado de Latrão, mediante a qual foi criado o Estado do Vaticano. Ele também apoiou o regime ditatorial de Francisco Franco na Espanha. Mais problemática foi a concordata com Adolf Hitler em 1933, vista por muitos observadores internacionais como uma aprovação tácita do regime nazista. Todavia, em 1937, Pio XI publicou a encíclica Mit brennender Sorge ("Com viva ansiedade"), contendo severas críticas ao nacional-socialismo.


                Seu secretário de estado, o cardeal Eugenio Pacelli, sucedeu-o no trono pontifício como papa Pio XII (1939-1958), ao mesmo tempo em que eclodia a II Guerra Mundial. Esse papa tem sido severamente criticado por seu silêncio diante das atrocidades cometidas pelos nazistas contra os judeus, mesmo convertidos ao catolicismo. No campo doutrinário, ele proclamou o dogma da ascensão corporal de Maria (1950). Paradoxalmente, esse pontífice conservador tomou iniciativas que contribuíram para as grandes mudanças que viriam a acontecer na Igreja após a sua morte. Ele incentivou o uso dos novos métodos de estudo bíblico através da encíclica Divino afflante Spiritu (1943), bem como valorizou e estimulou as igrejas localizadas fora da Europa.


10. O período pós-Vaticano II


                Um dos períodos mais extraordinários da história da Igreja e do papado teve início com a eleição do idoso cardeal Angelo Giuseppe Roncalli como papa João XXIII (1958-1963). Convencido da necessidade de uma ampla atualização (aggiornamento) da Igreja, ele convocou o Concílio Vaticano II, formalmente instalado no dia 11 de outubro de 1962. Esse importante Concílio, que teve expressiva participação de bispos do terceiro mundo, aprovou resoluções sem precedentes nas áreas de renovação litúrgica, preocupação com os pobres e diálogo interconfessional. As duas últimas preocupações já haviam sido expressas respectivamente na encíclica Mater et Magistra e na criação do Secretariado para a Promoção da Unidade Cristã. O papa seguinte, Giovanni Battista Montini (Paulo VI, 1963-1978), embora mais contido, deu prosseguimento ao Concílio Vaticano II, no interesse de "construir uma ponte entre a Igreja e o mundo moderno". A "Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Moderno" foi o documento mais longo já produzido por um concílio e contrastou profundamente com certas ênfases do século anterior. Paulo VI também publicou a controvertida encíclica Humanae vitae (1968), que proibiu aos católicos o uso dos métodos de controle artificial da natalidade.


                A eleição do último papa do século 20, em 1978, foi um acontecimento não menos momentoso para a Igreja Católica e para o mundo ocidental. O polonês João Paulo II (Karol Jozef Wojtyla) foi o primeiro papa não-italiano desde o século XVI. Sua atuação corajosa contribuiu para a derrocada do comunismo em sua pátria e no leste europeu. Em 1981, ele sobreviveu a um grave atentado na Praça de São Pedro. Foi também o papa que mais se deslocou pelo mundo afora, tendo feito cerca de uma centena de viagens internacionais. Dotado de sólido preparo intelectual, publicou diversas encíclicas abordando temas éticos, sociais e teológicos, tais como Redemptor hominis (1979), Dives in misericordia (1980), Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1988), Veritatis splendor (1993), Evangelium vitae (1995), Ut unum sint (1995) e Fides et ratio (1998). Por outro lado, representou um recuo conservador em relação aos seus predecessores, como ficou evidenciado na sua atitude em relação à teologia da libertação, nas suas interferências diretas em muitas organizações da Igreja e, em geral, no seu entendimento exaltado da autoridade papal.


Conclusão


                A instituição pontifícia teve recentemente um momento de grande publicidade com a morte de João Paulo II e a eleição do seu sucessor, Bento XVI, o influente cardeal alemão Joseph Ratzinger. A impressionante cobertura da imprensa e as reações dos líderes políticos e da opinião pública internacional atestam a força do catolicismo e dos seus pontífices. No seu conjunto, o papado tem sido uma instituição predominantemente benéfica para a Igreja Católica, dando-lhe um notável senso de unidade, propósito e identidade. Muitos pronunciamentos papais sobre temas sociais e éticos têm sido altamente relevantes em um mundo secularizado e materialista. Suas fraquezas históricas têm sido o envolvimento político e um estilo de liderança nem sempre condizente com as normas dadas por Cristo aos pastores do seu rebanho. Finalmente, é de se lamentar que justamente essa instituição seja o maior obstáculo para uma maior aproximação entre os cristãos, visto que a autoridade pontifícia é rejeitada não somente pelos protestantes, mas pela Igreja oriental, que tem raízes tão antigas e apostólicas quanto à Igreja latina.



LENDO AS ESCRITURAS COM OS PAIS DA IGREJA.  

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Christopher A. HallLendo as Escrituras com os Pais da Igreja (Viçosa: Ultimato, 2000). Traduzido do inglês Reading Scripture with the Church Fathers (1998).

Numa época em que a maior parte das editoras evangélicas brasileiras estão mais interessadas em lançar livros de apelo popular, muitas vezes sem se importar com a qualidade do seu conteúdo, é louvável a iniciativa da Editora Ultimato em publicar essa importante e valiosa obra de Christopher Hall, autor conhecido por seus estudos na área da patrística. A edição brasileira foi prefaciada por Ricardo Barbosa da Silva, que ressalta de maneira adequada a tese fundamental do livro - a interpretação bíblica não deve ser um esforço individual e subjetivo, mas levar em conta a rica tradição exegética da Igreja Cristã. Uma parte especialmente frutífera dessa tradição é aquela representada pelos antigos escritores cristãos, os pais da igreja. O autor deixa claro o seu propósito na introdução: apresentar de modo tão claro e correto quanto possível a metodologia e o conteúdo da interpretação bíblica patrística, especialmente dos pais reconhecidos como bons leitores da Escritura. O refrão que se repete vez após vez é o fato de que os pais entendiam a interpretação bíblica como uma atividade comunitária praticada no contexto da oração e da vida devocional.

O primeiro capítulo ("Por que ler os pais?") aponta para o mito moderno e contemporâneo do intérprete autônomo que despreza o passado como algo inferior e assim se empobrece intelectual e espiritualmente. No capítulo 2 ("A mente moderna e a interpretação bíblica"), Hall critica tanto o iluminismo, com sua ênfase na razão autônoma, quanto o subjetivismo e o pragmatismo pós-moderno. Ele insiste que os intérpretes bíblicos atuais devem aprender a ser humildes e estar abertos às valiosas contribuições do passado. Nem tudo que os pais disseram pode ser aceito, mas é preciso reconhecer que, até mesmo por uma questão de afinidade cultural e linguística, eles tiveram um discernimento das Escrituras que faríamos bem em conhecer e apreciar. O terceiro capítulo indaga quem são os pais (e mães) da igreja. Depois de mencionar algumas mulheres notáveis como Marcela, Paula, Melânia, Olímpia e Macrina, que certamente estariam entre os teólogos da igreja caso tivessem deixado escritos, o autor enumera os quatro critérios básicos usados para determinar se um certo personagem merece o título de "pai da igreja" - antigüidade, santidade de vida, ortodoxia e aprovação eclesiástica -, apontando ao mesmo tempo para as limitações desses critérios.

Nos capítulos 4 e 5, Hall analisa quatro doutores do Oriente (Atanásio, Gregório Nazianzeno, Basílio de Cesaréia, João Crisóstomo) e quatro do Ocidente (Ambrósio, Jerônimo, Agostinho e Gregório Magno) como indivíduos especialmente representativos do que houve de melhor e mais salutar na exegese patrística grega e latina. Em cada caso, além de fornecer as informações biográficas mais relevantes e um apanhado da produção literária dos personagens, o autor oferece exemplos ilustrativos de suas estratégias hermenêuticas. Nos capítulos 6 e 7, são abordadas as duas grandes escolas de interpretação bíblica às quais os pais da igreja estavam associados em maior ou menor grau, Alexandria e Antioquia, a primeira com sua ênfase na pluralidade de sentidos na Escritura (a interpretação alegórica) e a segunda com sua maior preocupação com o sentido literal e histórico do texto. Por um lado, Hall demonstra como a abordagem alegórica respondeu a desafios apresentados pelo ambiente cultural helenístico e ao mesmo tempo revelou a abordagem profundamente cristocêntrica da interpretação dos pais, com seu desejo de ver Cristo em cada passo das Escrituras. Por outro lado, o autor argumenta que a diferença entre as duas escolas é mais de ênfase do que de essência. Os intérpretes da Escola de Antioquia também iam além do sentido literal, valorizando a tipologia e buscando significados mais ricos e profundos por trás da mera letra do texto bíblico. São apresentados exemplos de exegese bíblica de alguns dos representantes mais destacados das duas escolas.

O último capítulo ("Dando sentido à exegese patrística") sugere ao leitor uma via média entre a aceitação incondicional e a rejeição peremptória da exegese patrística. Hall reconhece que, por terem vivido em um mundo tão diferente do atual, os pais nem sempre são fáceis de entender. Todavia, para aqueles que forem pacientes e souberem ouvir, eles podem dar uma contribuição extremamente relevante ao seu esforço de ler as Escrituras com integridade. O autor também acredita que o estudo dos pais pode ser um instrumento de aproximação e diálogo entre as diferentes tradições cristãs (ortodoxa, católica e protestante). Ele conclui observando que a tradição exegética patrística oferece alguns princípios hermenêuticos muito úteis para os leitores modernos: ler a Bíblia holisticamente, cristologicamente, comunitariamente, bem como no contexto da vida devocional e do discipulado cristão.

Infelizmente, essa obra tão relevante e valiosa fica prejudicada por sérios problemas de tradução e revisão, que, espera-se, sejam corrigidos em uma nova edição. Os senões da edição brasileira não devem desestimular os leitores, pois a maior parte do texto apresenta boa tradução e um estilo agradável de ler. O mais importante é o conteúdo, com sua argumentação cuidadosa, sua rica documentação através de fontes primárias e secundárias, e sua mensagem relevante para os dias atuais.


                    ANSELMO DE CANTUÁRIA

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1. Cronologia

1033
Anselmo nasce em Aosta, no noroeste da Itália (70 km ao norte de Turim), na região onde se encontram três países (Itália, França e Suíça). A atual província de Vale D'Aosta é a menor da Itália, com 3.264 km² e 120.000 habitantes. Seus pais são o nobre lombardo Gondolfo e Ermenberga, de uma família abastada da Borgonha. Seu pai o destina à carreira política, mas ele escolhe a vida monástica. Recebe uma excelente educação e será considerado um dos melhores latinistas do seu tempo. Brigado com o pai, deixa a sua casa e passa alguns anos viajando pela Europa.

1060Ingressa no mosteiro beneditino de Sainte-Marie du Bec-Hellouin, na Normandia, fundado por Herluin em 1034, que estava sob a jurisdição do arcebispado de Rouen. Torna-se discípulo do famoso Lanfranc e auxilia-o nas atividades de ensino. Depois de trabalhar como advogado e destacar-se no estudo da lógica, Lanfranc abriu uma escola em Avranches (1039) e a seguir a de Bec (1042), que se tornou famosa em toda a Europa. Também tornou-se conselheiro de Guilherme, duque da Normandia, o futuro Guilherme I, o Conquistador. Hoje Bec fica a 6 km da pequena cidade de Brionne, Departamento de Eure, na Região da Alta Normandia (norte da França). Na época de Revolução Francesa, os monges foram expulsos e a grande igreja-abadia foi destruída. Em 1948, o local foi devolvido à ordem beneditina e hoje existe uma nova igreja-abadia no local do antigo refeitório do século 17.

1063
Anselmo é eleito prior do seu mosteiro em substituição a Lanfranc, que é nomeado abade de Caen e depois arcebispo de Cantuária (1070-1089).

1078Com a morte de Herluin, fundador e primeiro abade de Bec, Anselmo torna-se o seu sucessor. É com dificuldade que os monges vencem a sua relutância em aceitar o cargo. Seu biógrafo, Eadmero, conta que o abade eleito prostra-se diante dos irmãos e com lágrimas suplica-lhes que não coloquem esse fardo sobre ele, enquanto que eles também se prostram e rogam que aceite o cargo. Transforma Bec em um importante centro de erudição monástica. Nesse período, escreve duas de suas principais obras: o Monologium (Monológio) e o Proslogium (Proslógio). Mediante doações do rei Guilherme I, o Conquistador, o mosteiro de Bec havia recebido terras na Normandia e na Inglaterra, o que levou Anselmo a visitar esse país por três vezes. A primeira visita ocorre no ano em que ele se torna abade de Bec. Nessa ocasião, conhece Eadmero, então um jovem monge em Cantuária.

1093Durante uma visita à Inglaterra, Anselmo é, contra a sua vontade, nomeado arcebispo de Cantuária (Canterbury) pelo rei Guilherme II, o Ruivo, conforme o desejo dos nobres e do povo. Recusa firmemente essa honra, quando acontece uma cena ainda mais estranha do que a ocorrida quando foi eleito abade de Bec. É arrastado à força para junto do leito do rei, que se encontra enfermo, e o báculo é lançado contra a sua mão fechada; dali é levado para o altar, onde se canta o ";Te Deum";. É finalmente consagrado arcebispo em 4 de dezembro. 1095, Anselmo não pode receber o pálio, símbolo da plena autoridade episcopal, até que o rei reconhece o papa Urbano II (1088-1099), então contestado pelo antipapa Clemente III. Guilherme envia emissários a Roma, que regressam com Walter, bispo de Albano, trazendo o pálio. Anselmo recusa-se a receber o pálio das mãos do rei, mas em uma cerimônia solene em Cantuária, no dia 10 de junho de 1095, o pálio é colocado pelo legado papal sobre o altar, de onde Anselmo o recolhe. Anselmo dedica-se a implementar na Igreja da Inglaterra as reformas do papa Hildebrando ou Gregório VII (1073-1085), lutando contra a simonia (comércio de cargos eclesiásticos), o nicolaísmo (casamento clerical) e as investiduras leigas.

1097Surgem novos problemas entre o arcebispo e o rei, que deseja controlar a igreja na Inglaterra. Anselmo vai para Roma, passando o Natal em Cluny e o restante do inverno em Lions. Na primavera de 1098, chega a Roma, onde é tratado com grandes honras pelo papa. Retira-se para Cápua, onde conclui Cur Deus Homo? (Por que Deus se fez homem?), que havia começado a escrever na Inglaterra. Em outubro, Urbano II realiza um concílio em Bari para tratar das questões levantadas pelos gregos quanto à processão do Espírito Santo. Anselmo toma parte destacada nas discussões. Seus argumentos mais tarde serão incluídos no seu tratado acerca do assunto. É instado a aguardar outro concílio a ser realizado na Páscoa de 1099 em Latrão (Laterano), no qual ouve os cânones contra as investiduras leigas e o decreto de excomunhão contra os ofensores. Em 1100, com a morte de Henrique II e a ascensão de Henrique I, é chamado de volta à Inglaterra.

1103Anselmo é novamente exilado, por não aceitar que o rei efetue a investidura dos bispos e abades.

1107
A controvérsia é resolvida em um concílio realizado em Londres. O rei abre mão do pretenso direito de investir os prelados ao passo que a Igreja permite que os prelados prestem reverência por suas possessões temporais. Com isso, Anselmo passa os seus dois últimos anos em paz no seu cargo.

1109Morre em Cantuária no dia 21 de abril. É canonizado em 1163 e declarado doutor da Igreja em 1720. Sua primeira biografia foi escrita por seu discípulo Eadmero.

1103Anselmo é novamente exilado, por não aceitar que o rei efetue a investidura dos bispos e abades.

2. Escritos

1076
Monologium (Monológio = monólogo ou solilóquio)
1077-78
Proslogium (Proslógio = discurso ou colóquio)
1080-85
De grammatico (O gramático)
De veritate (A verdade)
De libertate arbitrii (A liberdade de arbítrio)
De casu diaboli (A queda do demônio)
1092-94
Epistola de incarnatione Verbi (Epístola sobre a encarnação do Verbo)
1094-98
Cur Deus homo? (Por que Deus se fez homem?)
1099-1100
De conceptu virginali (Sobre a concepção virginal e o pecado original)
1102
De processione Spiritus Sancti (Sobre a processão do Espírito Santo)
1106-07
Epistola de sacrifício azymi et fermentati (Epístola sobre sacrifícios asmos e fermentados)
De sacramentis ecclesiae (Os sacramentos da igreja)
1107-08
De concordia (Sobre a harmonia da presciência, da predestinação e da graça com o livre arbítrio) Defesa Contra Gaunilo

fonte www.mauricioberwaldoficial.blogspot.com

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