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quarta-feira, 22 de junho de 2016

Chamada missionaria



                         Apóstolo: Do gr. apostolos, enviado.




A partir da lição desta semana estudaremos os Dons Ministeriais distribuídos por Deus à sua Igreja, objetivando desenvolver o caráter cristão da comunidade dos santos, tornando-o semelhante ao de Cristo (Ef 4.13). De acordo com as epístolas aos Efésios e aos Coríntios, são cinco os dons ministeriais concedidos por Deus à Igreja: apóstolosprofetas,evangelistaspastores e doutores (1Co 12.27-29). Veremos o quanto esses ministérios são necessários à vida da igreja local para cumprir a missão ordenada pelo Senhor ante o mundo e, simultaneamente, crescer “na graça e conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 3.18). Mostrando a sequência de Efésios 4.11, iniciaremos o estudo pelo dom ministerial de apóstolo.

I. O COLÉGIO APOSTÓLICO

1. O termo “apóstolo”. O Dicionário Bíblico Wycliffe informa que o termo grego apostolos origina-se do verboapostellein, que significa “enviar”, “remeter”. A palavra apóstolo, portanto, significa “aquele que é enviado”, “mensageiro”, “oficialmente comissionado por Cristo”. Ao longo do Novo Testamento, o verdadeiro apóstolo é enviado por Cristo igualmente como o Filho foi enviado pelo Pai com a missão de salvar o pecador com autoridade, poder, graça e amor. O verdadeiro apostolado baseia-se na pessoa e obra de Jesus, o Apóstolo por excelência (Hb 3.1).
2. O colégio apostólico. Entende-se por colégio apostólico o grupo dos doze primeiros discípulos de Jesus convidados por Ele a auxiliarem o seu ministério terreno. O Salvador os separou e nomeou. Os primeiros escolhidos não eram homens perfeitos, mas foram vocacionados a levar a mensagem do Evangelho a todo o mundo (Mt 28.19,20; Mc 16.15-20). De acordo com Stanley Horton, eles foram habilitados a exercer “o ministério quando do estabelecimento da Igreja” (At 1.20,25,26). Em outras palavras, os doze apóstolos constituíram a base ministerial para o desenvolvimento e a expansão da Igreja no mundo. Mas antes, como nos mostra a Palavra de Deus, receberam o batismo com o Espírito Santo (Lc 24.49; At 1.8; 2.1-46).
3. A singularidade dos doze. Aqui é importante ressaltar que o apostolado dos doze tem uma conotação bem singular em relação aos demais encontrados em Atos e também nas epístolas paulinas.
a) Eles foram convocados pessoalmente pelo Senhor. Multidões seguiam Jesus por onde Ele passava (Mt 4.25), e muitos se tornavam seguidores do Mestre. Mas para iniciar o trabalho da Grande Comissão, apenas doze foram convocados pessoalmente por Ele (Mt 10.1; Lc 6.13).
b) Andaram com Jesus durante todo o seu ministério. Desde o batismo do Senhor até a crucificação, os doze andaram com o Mestre, aprenderam e conviveram com Ele (Mc 6.7; Jo 6.66-71; At 1.21-23).
c) Receberam autoridade do Senhor (Jo 20.21-23). Os doze receberam de Jesus um mandato especial para prosseguirem com a obra de evangelização. Eles foram revestidos de autoridade de Deus para expulsar os demônios, curar os enfermos e pregar o Evangelho à humanidade (Mc 16.17,18; cf. At 2.4).

O APÓSTOLO PAULO

1. Saulo e sua conversão. Saulo foi um judeu de cidadania romana, educado “aos pés de Gamaliel”, e também um importante mestre do judaísmo (At 22.3,25). Ele era intelectual, fariseu e foi perseguidor dos cristãos. Entretanto, a caminho de Damasco, em busca dos cristãos que haviam fugido devido à perseguição em Jerusalém, e com carta de autorização para prendê-los, Saulo teve uma experiência com o Cristo ressurreto (At 9.1-22). A sua vida foi inteiramente transformada a partir desse encontro pessoal com Jesus. De perseguidor, passou a perseguido; de Saulo, o fariseu, a Paulo, o apóstolo dos gentios.
2. Um homem preparado para servir. Dos vinte e sete livros do Novo Testamento, treze foram escritos pelo apóstolo Paulo. Quão grande tratado teológico encontramos em sua Epístola aos Romanos! O seu legado teológico foi grandioso para o cristianismo. Mas para além da intelectualidade teológica, o apóstolo dos gentios levou uma vida de sofrimento por causa da pregação do Cristo ressurreto. Eis a declaração apostólica que denota tal verdade: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé” (2Tm 4.7).
3. “O menor dos apóstolos”. O apóstolo Paulo não pertencia ao colégio dos doze. Ele não andou com Jesus em seu ministério terreno nem testemunhou a ressurreição do Senhor — requisitos indispensáveis para o grupo dos doze (At 1.21-23). Humildemente, o apóstolo reconheceu que não merecia ser assim chamado, pois considerava-se um “abortivo”, como que nascido fora de tempo, o menor de todos (1Co 15.8,9). Entretanto, o Senhor se revelou a ele ressurreto (At 9.4,5) e ensinou-lhe todas as coisas. O apóstolo recebeu o Evangelho diretamente do Senhor (Gl 1.6-24; 1Co 11.23). Embora o colégio apostólico tenha reconhecido o apostolado paulino (Gl 2.6-10; 2Pe 3.14-16), as igrejas plantadas por ele eram o selo do seu ministério apostólico (1Co 9.2).

APOSTOLICIDADE ATUAL (Ef 4.11)

1. Ainda há apóstolos? No sentido estrito do termo, e de acordo com a sua singularidade, apóstolos como os doze não mais existem. A Palavra de Deus diz que durante o milênio, os doze se assentarão sobre tronos para julgar as doze tribos de Israel (Mt 19.28). Os seus nomes também estarão registrados nos doze fundamentos da cidade santa (Ap 21.12-14). Logo, o colégio apostólico foi formado por um grupo limitado de discípulos, não havendo, portanto, uma sucessão apostólica.
2. Apóstolos fora dos doze. A carta aos Efésios apresenta a vigência do dom ministerial de apóstolo. O teólogo Stanley Horton informa-nos que “o Novo Testamento indica que havia outros apóstolos que também haviam sido dados como dons à Igreja. Entre estes se acham Paulo e Barnabé (At 14.4,14), bem como os parentes de Paulo, Andrônico e Júnia (Rm 16.7)”. Ao longo do Novo Testamento, e no primeiro século da Igreja, o termo apóstolo recebeu um significado mais amplo, de um dom ministerial distribuído à igreja local (Dicionário Vine).
3. O ministério apostólico atual. Não há sucessão apostólica. Esta é uma doutrina formada pela igreja romana e, infelizmente, copiada por algumas evangélicas para justificar a existência do poder papal. O ministério dos doze não se repete mais. O que há é o ministério de caráter apostólico. Atualmente, missionários enviados para evangelizar povos não alcançados pelo Evangelho são dignos de serem reconhecidos como verdadeiros apóstolos de Cristo. Homens como John Wesley, William Carey (cognominado “pai das missões modernas”), Hudson Taylor, D. L. Moody, Gunnar Vingren, Daniel Berg, “irmão André” e tantos outros, em tempos recentes, foram verdadeiros desbravadores apostólicos. Cidades e até países foram impactados pela instrumentalidade desses servos de Deus.

CONCLUSÃO

Nos moldes do colégio dos doze, o ministério apostólico não existe atualmente. Entretanto, o dom ministerial de apóstolo citado por Paulo em Efésios 4.11 está em plena vigência. Pastores experimentados, evangelistas e missionários que desbravaram os rincões do nosso país ou em países inimigos do Evangelho, são pessoas portadoras desse dom ministerial. São os verdadeiros apóstolos da Igreja de Cristo hoje. 

“Jesus é o supremo Sumo Sacerdote e Apóstolo (Hb 3.1). A palavra apóstolo era usada, no entanto, para qualquer mensageiro nomeado e comissionado a algum propósito. Epafrodito foi um mensageiro (apóstolo) nomeado pela igreja em Filipos e enviado a Paulo (Fp 2.25). Os companheiros de Paulo eram os mensageiros (apóstolos) enviados pelas igrejas e por elas comissionados (2Co 8.23).
Os doze, apenas, eram apóstolos específicos. Depois de uma noite em oração, Jesus os escolheu do meio de um grupo de discípulos e os chamou apóstolos (Lc 6.13). Pedro recomendou que os doze tinham um ministério e supervisão especiais (At 2.20,25,26), provavelmente tendo em mente a promessa de que eles futuramente julgariam (governariam) as 12 tribos de Israel (Mt 19.28). Sendo assim, nenhum apóstolo foi escolhido, depois de Matias, para estar entre os doze. Nem foram nomeados substitutos, quando estes foram martirizados. Na Nova Jerusalém há apenas 12 alicerces, com os nomes dos 12 apóstolos inscritos neles (Ap 21.14). Os doze, portanto, eram um grupo limitado, e realizavam uma função especial na pregação, no ensino e no estabelecimento da Igreja, além de testificar da ressurreição de Cristo, com poder. Ninguém mais pode ser um apóstolo no sentido em que eles foram” (HORTON, Stanley M. A Doutrina do Espírito Santo no Antigo e Novo Testamento. 12 ed., RJ: CPAD, 2012, p.287).


“APÓSTOLO. Os apóstolos foram testemunhas oculares das atividades de Jesus na terra e consequentemente testificaram que Jesus era o Senhor ressurrecto (Lc 24.45-48; 1Jo 1.1-3). Os pré-requisitos para a substituição apostólica nesta função única são dados em At 1.21,22. A lista de apóstolos de Lucas (Lc 6.14-16; At 1.13) corresponde à lista dos doze dadas em Mateus 10.2-4 e Marcos 3.16-19. Mateus lista os discípulos aos pares, supostamente como enviados por Jesus. Tadeu (em Mateus e Marcos) era idêntico a Judas o filho de Tiago (em Lucas). Pedro, Tiago e João formavam um círculo íntimo dentre os doze, e estavam presentes no episódio da transfiguração (Mt 17.1-9; Mc 9.2-10; Lc 9.28-36) e no Getsêmani (Mt 26.36-46; Mc 14.32-42; Lc 22.39-46). Os doze foram selecionados para ser os companheiros de Jesus e proclamar o Evangelho (Mc 3.14). Durante o ministério de Jesus, os doze serviram como seus representantes, uma função compartilhada por outros (Lc 10.1).
Aparentemente, a posição dos apóstolos não foi fixada permanentemente antes da ressurreição (Mt 19.28-30; Lc 22.28-34; cf. Jo 21.15-18). O Cristo ressurreto fez deste grupo seleto de testemunhas do seu ministério e ressurreição, apóstolos e testemunhas permanentes de que Ele é o Senhor, os comissionou como missionários, os instruiu a ensinar e batizar (Mt 28.18-20; Mc 16.15-18; Lc 24.46-48), e completou o processo com o envio do Espírito Santo no Pentecostes (Lc 24.49; At 1.1-8; 2.1-13). No período inicial, os 12 apóstolos eram os únicos ensinadores e líderes da igreja, e outros ofícios foram derivados deles (At 6.1-6; 15.4). O apostolado não implicava em uma liderança permanente. Embora Pedro tenha iniciado missões aos judeus (Atos 2) e aos gentios (At 10.1 — 11.18), Tiago o substituiu como líder entre os judeus, e Paulo como líder entre os gentios.
Os membros da igreja são sacerdotes, reis, servos de Deus e santos que usam seus dons para a edificação da igreja como um todo (1Co 12.1-11; 1Pe 2.9; Ap 1.6; 5.8,10; 7.3) e, como os apóstolos, são mediadores de Cristo (Mt 25.40,45; Mc 9.37; Lc 9.48) e reinarão com Ele (Ap 3.21).
Os apóstolos, porém, através do testemunho de sua palavra, sempre serão a norma e os arautos do fundamento sobre o qual Cristo edifica a sua igreja (Ef 2.20; Ap 18.20; 21.14). Os apóstolos são as primeiras dádivas de Cristo para a sua igreja (Ef 4.11) e os ministros estabelecidos por Deus na igreja (1Co 12.28,29)” (PFEIFFER, Charles F.; REA, John; VOS, Howard F. (Eds.). Dicionário Bíblico Wydiffe. 1 ed., RJ: CPAD, 2009, p.162).

O Apóstolo

. A partir desta, trataremos dos dons ministeriais relacionados em Efésios 4.11: apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e doutores. O primeiro dom listado por Paulo é o de apóstolo, vamos começar nosso estudo por ele. A primeira indagação que, em geral, fazemos quando estudamos a respeito deste dom ministerial é: “Ainda existem apóstolos?” Primeiro precisamos da definição do vocábulo que significa literalmente enviado. De certa forma, todos os crentes são enviados a pregar as Boas-Novas.O colégio apostólico foi único. Ele foi formado por Jesus no momento da escolha dos Doze que receberam o nome de enviados. Como homem perfeito, Jesus tinha consciência de que não poderia realizar sua missão sozinho.Para ser apóstolo, um dos requisitos era ter estado pessoalmente com Cristo. Atualmente, de certa forma, todos que creem em Jesus e já tiveram um encontro com Ele são apóstolos, pois Cristo, antes de ascender aos céus, declarou a todos os seus discípulos: “Ide por todo o mundo” (Mc 16.15). A Igreja de Jesus tem uma missão apostólica. O apóstolo é alguém enviado por Jesus Cristo com uma mensagem especial, servos de Deus separados para uma missão específica, diferente dos mestres, profetas e evangelistas. Estes receberam o dom ministerial, descrito em Efésios 4.11. Podemos afirmar que os missionários são os apóstolos da atualidade. O apostolado não é um título pomposo, especial, também não é um cargo hierárquico. Ser apóstolo é ter uma missão específica a cumprir no Reino de Deus.
O apóstolo Paulo — Paulo teve sérios problemas com os crentes de Corinto, pois alguns não reconheciam o seu apostolado. Por isso, ele inicia a primeira carta aos Coríntios, declarando-se apóstolo de Jesus Cristo (1Co 1.1). Paulo enfatiza que seu chamado se deu “pela vontade de Deus”. Os orgulhosos crentes de Corinto não aceitavam o apostolado de Paulo pelo fato dele não ter feito parte do colégio apostólico. Todavia, Paulo teve um encontro pessoal com Cristo no caminho de Damasco (At 9). Este encontro mudou seu ser. A missão confiada a Paulo foi dada pelo próprio Senhor Jesus (At 9.15). Os próprios coríntios eram a marca do apostolado de Paulo. Ele declara isso em 1 Coríntios 9.2.

Apóstolo e servo — Aprendemos com Paulo que ser apóstolo é ser um servo, um cooperador de Deus no ministério da reconciliação (2Co 6.1). Quem deseja o dom ministerial de apóstolo deve seguir os passos de Jesus, estando sempre pronto para servir e não buscar ser servido.




             Qualidades de Paulo como missionário

            1. Passando a verdade adiante (1TM ,vs. 1 e 2)

Tu, pois, filho meu, fortifica-te na graça que está em Cristo Jesus. E o que da minha parte ouviste, através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para ins­truir a outros.

O primeiro capítulo termina com a pesarosa referência que Paulo fez à generalizada deserção dos cristãos na província romana da Ásia (1: 15). Onesíforo e sua casa talvez tenham sido a única exce­ção. Agora Paulo insta com Timóteo para que ele se mantenha fir­me, em meio à debandada geral. Esta é a primeira de uma série de exortações similares na carta, que começam com su ounou su de, "tu, pois" ou "mas tu", ordenando que Timóteo resista a várias coisas predominantes naquela época. Timóteo fora chamado a exercer uma responsável liderança na Igreja, não somente a despei­to de sua inata falta de confiança em si mesmo, mas ainda na mesma área onde a autoridade do apóstolo estava sendo repudiada. É co­mo se Paulo lhe dissesse: "Não te importes com o que outras pes­soas possam estar pensando, dizendo ou fazendo. Não te importes com a fraqueza e a timidez que talvez estejas sentindo. Quanto a ti, Timóteo, sê forte!"

É claro que esta exortação, se tivesse parado aí, teria sido inútil, até mesmo absurda.  Dizer a alguém tão tímido como Timóteo para ser forte seria o mesmo que mandar um caracol ser ligeiro ou exigir que um cavalo voasse. Mas o apelo de Paulo à firmeza tem um ca­ráter cristão, nãoestóico. Não é uma exigência de que Timóteo se­ja forte em si mesmo, demonstrando isso rosnando e batendo no peito, mas de que "seja fortalecido interiormente"( A melhor tradução seria "sê fortalecido na graça", com o verbo no passivo simples (Ellicot, p.121), conquanto possa estar no imperativo reflexivo: "fortifica-te (interiormente)" como está na ERAB. O mesmo verbo ocor­re na voz passiva em Ef 6:10 e na ativa em Fp 4:13 e 2 Tm 4:17.) por meio da "graça" que está em Cristo Jesus". Isto significa que Timóteo deve procurar recursos para o seu ministério não em sua própria natu­reza, mas na de Cristo. Não dependemos da graça somente para a salvação (1:9), mas também para o serviço.

Paulo prossegue indicando o tipo de ministério para o qual Ti­móteo terá de fortalecer-se pela graça de Cristo. Até aqui Timóteo foi exortado a conservar a fé e a guardar o depósito (1: 13, 14). Contudo, deve fazer mais do que preservar a verdade, deve passá-la adiante. Assim como a deslealdade da Igreja na Ásia tornava impe­rativo que Timóteo guardasse a verdade com lealdade, assim também a iminente morte do apóstolo tornava imperativo que Timóteo tomasse providências para legar a verdade intacta à geração seguinte. Nesta transmissão da verdade, de mão em mão, Paulo divisa quatro estágios.

Primeiramente, a fé fora confiada a Paulo por Cristo. Por isso é que ele a chamou de "meu depósito" (1: 12). Ela lhe pertence por depósito, não por invenção. Sendo apóstolo de Jesus Cristo, Paulo insiste em que o seu evangelho não é um "evangelho de homens", mesmo que ele o tenha formulado, e outros também. É que não tem base simplesmente na tradição humana. Pelo con­trário, assim pôde escrever ". . . não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo" (Gl  1:11,12).

Em segundo lugar, o que por Cristo fora confiado a Paulo, este por sua vez o confiou a Timóteo. Assim "o meu depósito" (1:12) passa a ser virtualmente "o bom depósito" (v.14); ou seja, o que fora confiado a Paulo é agora a verdade que é confiada a Timóteo. Este depósito consiste em certas "sãs palavras", que Timóteo ou­vira dos lábios do próprio Paulo. A exata expressão "que de mim ouviste" (1: 13, par' emou êkousas) repete-se em 2: 2, tendo agora a referência de que Timóteo a ouvira "através de muitas testemu­nhas". O tempo aorístico parece referir-se não a uma única oca­sião em que Timóteo tivesse ouvido o ensino do apóstolo, como por exemplo no dia do seu batismo ou de sua ordenação ao mi­nistério, mas sim à totalidade de suas instruções através dos anos. E a referência às "muitas testemunhas" mostra que a fé apostóli­ca não era uma tradição secreta, transmitida particularmente a Timóteo (tal era o ensino dos gnósticos), ficando a sua autentici­dade sem provas, mas era uma pública instrução, cuja verdade era garantida pelas muitas testemunhas que, tendo-a ouvido, podiam então conferir o ensino de Timóteo com o do apóstolo.

Esta declaração de Paulo tornou-se importante no século seguin­te, quando o gnosticismo cresceu e se espalhou. Por exemplo, no capítulo 25 de sua obra Prescrições contra os Heréticos(200 d.C), Tertuliano de Cartago escreveu especialmente contra os gnósticos, que diziam terem recebido, só eles, revelações particulares, e tam­bém possuírem tradições secretas herdadas dos apóstolos. Ele não aceita que os apóstolos tivessem "confiado algumas coisas abertamente a todos e algumas coisas a uns poucos, secretamen­te". Porque (assim discorre), em apelando a Timóteo para que "guarde o depósito" não há alusão a uma doutrina secreta, mas a uma ordem para não admitir qualquer outra doutrina, a não ser a que ouvira do próprio apóstolo publicamente ("entre mui­tas testemunhas"), como ele diz.

Em terceiro lugar, o que Timóteo ouviu de Paulo, deve ago­ra "confiá-lo a homens fiéis", os quais seriam certamente encon­trados num remanescente dentre os muitos desertores da Ásia. Os homens que Paulo tinha em mente deveriam ser primeiramen­te ministros da palavra, cuja função principal é ensinar; e anciãos cristãos, com a responsabilidade de, à semelhança dos anciãos judeus na sinagoga, preservar a tradição. Tais anciãos cristãos são "despenseiros de Deus", como Paulo há pouco escrevera a Tito (1: 7), porque tanto a família de Deus como a verdade de Deus lhes foram confiadas. E o requisito fundamental para os despenseiros é a fidelidade (1 Co 4: 1, 2). Devem ser "homens fiéis".

Em quarto lugar, tais homens devem pertencer àquela classe de homens (como o relativo hoitinesdeveria ser traduzido) que sejam "também idôneos para instruir a outros". A habilidade ou competência que Timóteo deve procurar em tais homens será traduzida, em parte, pela integridade ou lealdade de caráter, já referidas, e em parte pela capacidade de ensinar. Eles devem ser didaktikoi, "aptos para ensinar", palavra usada por Paulo em relação aos candidatos ao ministério em 1 Tm 3: 2, e empregada de novo mais adiante, neste mesmo capítulo (2:24).

Aqui estão, pois, os quatro estágios na transmissão da verdade, destacados por Paulo: de Cristo a Paulo, de Paulo a Timóteo, de Timóteo a "homens fiéis", e de "homens fiéis" a "outros". Esta é a verdadeira "sucessão apostólica". Tal sucessão dependeria de homens, de uma série de "homens fiéis", mas essa sucessão dos apóstolos refere-se mais à mensagem em si do que aos homens que a ensinem. Deve ser antes uma sucessão da tradição apostólica do que de autoridade, de sequência ou de ministério apostólicos. Deve ser uma transmissão da doutrina dos apóstolos, deles recebida sem distorções pelas gerações posteriores, passada de mão em mão como a tocha olímpica. Esta tradição apostólica, "o bom depósito", é hoje encontrada no Novo Testamento. Falando de maneira ideal, os termos "Escritura" e "tradição" deveriam ser sinônimos, pois o que a Igreja transmite de geração em geração deveria ser a fé bíblica, nada mais e nada menos. E a fé bíblica é a fé apostólica.

No restante deste segundo capítulo de sua carta, Paulo prossegue abordando o ministério do ensino, ao qual Timóteo foi cha­mado, Como ilustração, Paulo faz uso de seis vividas metáforas.As três primeiras são suas imagens favoritas: o soldado, o atleta, e o lavrador. Em cartas anteriores ele já fizera uso delas, em várias ocasiões, para salientar muitas verdades. Aqui todas elas enfatizam que a obra de Timóteo exigirá vigor, envolvendo tanto labuta quanto sofrimento.

2. Metáfora 1: o soldado dedicado (vs. 3,4)

Participa dos meus sofrimentos, como um bom soldado de Cristo Jesus.   4Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou.

As experiências como prisioneiro deram a Paulo ampla oportuni­dade de observar os soldados romanos e de meditar no paralelo existente entre o soldado e o cristão. Em cartas anteriores, Paulo referiu-se à guerra com principados e potestades, na qual o cristão está envolvido; referiu-se à armadura que deve vestir e as armas que deve usar (Ef 6: 10ss; 1 Tm 1: 18; 6: 12; 2 Co 6: 7; 10: 3-5; cf. Rm 6: 13-14). Mas aqui o bom soldado de Jesus Cristo é as­sim chamado por ser um homem dedicado, que mostra sua dedi­cação por se achar sempre disposto a sofrer e estando permanente­mente em guarda. Os soldados em serviço não contam com se­gurança e facilidade. Pelo contrário, dureza, riscos e sofrimento são aceitos sem contestação. É como Tertuliano expressou em seu livro Address to Martyrs (Palavra aos Mártires): "Nenhum soldado vai à guerra cercado de luxúrias, nem vai à batalha deixan­do um quarto confortável, mas sim uma tenda estreita e provisória, em que há muita dureza, severidade e desconforto". De igual modo, o cristão não deve esperar dias fáceis. Se for fiel ao evan­gelho, certamente experimentará oposição e escárnio. Ele deve­rá sofrer em conjunto com seus companheiros de armas.

O soldado deve sempre se achar disposto a se concentrar no exército, e também a sofrer. Quando em serviço ativo, "não se embaraça em negócios". Ao contrário, liberta-se dos afazeres de natureza civil, a fim de dedicar-se às armas, satisfazendo assim aos seus oficiais superiores, ou "estando inteiramente à disposi­ção de seu oficial comandante". Na expressão de E. K. Simpson, "o espetáculo da disciplina militar fornece uma grande lição de comprometimento". Assim, na Segunda Guerra Mundial, com frequência se dizia, com um sorriso bem significativo: "estamos em guerra". Era uma palavra de alerta, suficiente para justificar toda austeridade, auto renúncia ou abstenção de atividades irrele­vantes, em vista da situação de emergência do momento.

O cristão, que deve viver neste mundo e não se alienar dele, não pode, certamente, esquivar-se das comuns obrigações de seu lar, de seu local de trabalho e de sua comunidade. É verdade que, como cristão, ele deve estar sobremodo consciente do seu dever de bem cumpri-las e não evadir-se delas. Nem deve esquecer-se também do que Paulo relembrou a Timóteo em sua primeira carta, ao dizer que "tudo o que Deus criou é bom e, recebido com ações de graça, nada é recusável. . ." e que "Deus tudo nos proporciona unicamente para nosso aprazimento" (1 Tm 4: 4; 6: 17). Assim, o que se proíbe ao bom soldado de Cristo não são as atividades "seculares", nem "os envolvimentos em negócios desta vida" que, mesmo sendo perfeitamente inocentes, o impeçam de lutar as batalhas de Cristo. Este conselho aplica-se especialmente ao pastor ou ministro cristão. Ele é chamado a dedicar-se ao ensino e ao cuidado do rebanho de Cristo; e há outras passagens, além desta, que o advertem a, se possível, não tomar a carga adicional de prover o seu sustento com algum emprego "secular".

É fato que o próprio apóstolo proveu amiúde o seu próprio sustento, confeccionando tendas; não obstante, ele deixa claro que em seu caso a razão era pessoal e excepcional, ou seja, para que pudesse propor "de graça o evangelho", e assim não criar "qual­quer obstáculo ao evangelho de Cristo" (1 Co 9: 12, 18). Ele ainda vindicou o princípio, para si mesmo e para todo ministro, por ordem do Senhor, de que os que pregam o evangelho devem viver do evangelho (1 Co 9: 14).  De fato, a sua óbvia expectativa era esta a regra geral, e isto precisa ser lembrado em dias como os nossos, quando ministérios "auxiliares", "suplementares" e de tempo parcial têm aumentado em número, ficando o pastor com seus negócios ou com sua profissão, exercendo o seu ministério com o tempo que sobra. Não se pode dizer que tais ministérios estejam em oposição às Escrituras; contudo é difícil conciliá-los com a determinação apostólica de evitar os envolvimentos em negócios desta vida. A liturgia para a ordenação de presbíteros da Igreja Anglicana exorta os candidatos com as seguintes palavras: "Atentai para o zelo que deveis ter na leitura e no ensino das Escrituras. . . e por esta mesma causa deveis renunciar e deixar de lado (tanto quanto possível) todos os cuidados e zelos mundanos, . . . entregai-vos inteiramente a este ofício, . . . aplicai-vos inteiramente a esta causa e dirigi todos os vossos esforços neste sentido".

A aplicação de tal versículo não é somente restrita a pastores. Cada cristão é, num certo grau, um soldado de Cristo, ainda que seja tímido como Timóteo. Não importando qual seja o nossotemperamento, não podemos evitar o conflito cristão. Se que­remos ser bons soldados de Cristo, devemos dedicar-nos à bata­lha, comprometendo-nos com uma vida de disciplina e de sofri­mento, e evitando tudo o que possa nos "envolver" e assim nos desviar do seu propósito.

3. Metáfora 2: o atleta sujeito às regras (v.5)

Igualmente o atleta não é coroado, se não lutar segundo as normas.

Agora Paulo desvia os seus olhos da imagem do soldado romano para a do competidor nos jogos gregos. Em nenhuma competição atlé­tica do mundo antigo (assim como hoje também) o competidor dava uma demonstração de força ou de habilidade ao acaso. Cada esporte tinha as suas regras para a competição, e às vezes também para o treino preparatório.

Cada prova também tinha o seu prêmio, e os prêmios conferi­dos aos jogos gregos não eram medalhas de ouro ou troféus de prata, e sim coroas de ouro. Contudo, nenhum atleta era "coroa­do" se não tivesse competido "de acordo com as regras", mesmo que o seu desempenho tivesse sido brilhante. "Fora do regulamen­to não há prêmio", essa era a palavra de ordem!

A vida cristã é geralmente comparada, no Novo Testamento, a uma corrida, não no sentido de estarmos competindo uns com os outros (conquanto tenhamos que "preferir em honra uns aos ou­tros" — Rm 12: 10), mas no sentido da severa autodisciplina do treinamento (1 Co 9: 24-27), no sentido de que devemos nos de­sembaraçar de todo peso morto (Hb 12: 1-2) e, especialmente nesta passagem, no sentido de que devemos observar as regras.

Devemos correr a corrida cristã nominös, "segundo as leis". A despeito do estranho ensino da assim chamada "nova moral", que insiste em que a lei foi abolida por Cristo, o cristão acha-se sob a obrigação de viver "segundo a lei", de guardar as regras, de obedecer as leis morais de Deus. De fato, ele não está "debaixo da lei", como meio de salvação, que o aprova ou o recomenda perante Deus, antes ela lhe serve como guia de conduta. Ao in­vés de abolir a lei, Deus enviou o seu Filho para morrer por nós a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós", e agora envia o seu Espírito para morar em nós e escrever a sua lei em nossos corações! (Rm 8: 3-4, Jr 31: 33). Além disso não pode haver de outro modo, não porque nossa obediência à lei poderia nos justificar, mas sem a lei damos evidência de nunca termos sido justificados.

O contexto mostra que competir "de acordo com as regras" tem uma aplicação mais vasta do que à que se refere à nossa conduta moral. Paulo está descrevendo o serviço cristão, não somen­te a vida cristã. Parece estar dizendo que os prêmios pelo serviço dependem da fidelidade. O mestre cristão deve ensinar a verdade, construindo com materiais sólidos sobre o fundamento que é Cristo, se quer que a sua obra permaneça e não seja consumida pelo fogo (cf, 1 Co 3: 10-15). Assim, Timóteo deve confiar o depósito a homens fiéis. Somente se ele, como Paulo, perseverar até a fim, combatendo também o bom combate, completando a car­reira e guardando a fé, somente assim poderá ele esperar receber, no último dia, a mais desejável de todas as coroas: "a coroa da justiça" (2 Tm 4:7-8).

4. Metáfora 3: o lavrador diligente (v.6)

O lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos.

Tendo o atleta de competir com honestidade, o lavrador, por sua vez, tem de trabalhar arduamente. O sucesso na lavoura só é conseguido com muito trabalho. Isso é verdade particularmente em países em desenvolvimento, antes de se ter as técnicas da mecanizaçãomoderna. Em tais circunstâncias, o sucesso da exploração agrícola depende tanto do suor como da habilidade. Mesmo sen­do o solo pobre, o tempo inclemente, ou estando o lavrador indisposto, este deve permanecer em seu trabalho. Uma vez posta a mão no arado, não há que olhar para trás. O Rev. Moule escreve sobre a "extenuante e prosaica labuta" do agricultor. Ao contrário do soldado e do atleta, a vida do agricultor é "totalmente desprovida de emoção, distante de toda fascinação decorrente do perigo e do aplauso".

Contudo, a primeira parte da colheita pertence ao lavrador que trabalha. É seu direito. A boa produção deve-se mais a seu esforço e perseverança do que a qualquer outro fator. É por isso mesmo que o preguiçoso jamais será um bom agricultor, como ressalta o livro de Provérbios. Ele sempre porá a perder sua co­lheita, talvez por dormir quando deveria esta colhendo, talvez por ter sido pouco ativo no lavrar a terra no outono anterior, ou talvez por permitir que os seus campos se cubram de urtigas e espinhos (Pv 10: 5; 20:4; 24: 30-31).

A que espécie de colheita se refere o apóstolo? Duas interpre­tações apresentam maiores evidências bíblicas.

Primeira, a santidade como colheita. Verdadeiramente, a santi­dade é "fruto (ou colheita) do Espírito", sendo que o próprio Espírito é o principal agricultor, que produz uma boa safra de qualidades cristãs na vida do cristão. No entanto, nós também temos que fazer a nossa parte. Temos de "andar no Espírito" e "semear no Espírito" (Gl 5: 6; 6: 8), seguindo os seus impulsos e disciplinando-nos, para fazermos a colheita da santidade. Mui­tos cristãos surpreendem-se por não verificarem, em suas vidas, crescimento na santidade. Será que estamos negligenciando o cul­tivo desse campo que é o nosso caráter? "Pois aquilo que o ho­mem semear, isso também ceifará" (Gl 6: 7). Como o Rev. Ryle enfatiza repetidas vezes em seu notável livro Santidade: "não há prêmio sem esforço". Por exemplo:

"Jamais abandonarei a minha convicção de que não há pro­gresso espiritual sem esforços. Não creio no sucesso de um agri­cultor que se contenta em apenas semear os seus campos, abandonando-os em seguida até a colheita, assim como não creio ser pos­sível que um crente alcance muita santidade sem ser diligente em sua leitura bíblica, em suas orações e no bom uso dos seus domin­gos. Nosso Deus é um Deus que se importa com os meios, e nun­ca abençoará a alma de quem se julga ser tão elevado e espiritual a ponto de achar que pode progredir sem eles".

Na expressão de Paulo, "o lavrador que trabalha deve ser o primei­ro a participar dos frutos". E a santidade é uma colheita.

A segunda interpretação é que a conquista de conversões é também uma colheita. "A seara na verdade é grande", disse Jesus referindo-se aos muitos que esperam por ouvir e receber o evan­gelho (Mt 9: 37; cf. Jo 4: 35; Rm 1:13). Nesta seara é claro que "é Deus quem dá o crescimento" (1 Co 3: 6-7), mas ainda assim não temos a liberdade de ficar à toa. Não só isso, mas tanto a semeadura da boa semente da Palavra de Deus como a colheita são trabalhos duros, especialmente quando há poucos trabalhadores. Com muito custo almas são ganhas para Cristo, não com a enge­nhosa e automática aplicação de uma fórmula, mas com lágrimas, suor e dores, e especialmente com oração e sacrifícios. Novamen­te, o "lavrador que trabalha" é que pode esperar obter bons re­sultados.

Este ponto de que o serviço cristão é um trabalho árduo é ho­je tão impopular em certos círculos de cristãos festivos que sinto ser necessário sublinhá-lo com vigor. Já mencionei que o verbo significa "labutar, mourejar". Arndt e Gingrich apontam que, antes de tudo, o sentido é o de "cansar-se, fatigar-se", ou seja, "trabalhar arduamente, exaurindo todas as forças com o traba­lho pesado; empenhar-se, esforçar-se". Tanto o substantivo Kopos como o verbo kopiaö foram termos favoritos de Paulo, e tal­vez nos seja salutar saber que ele cria ser necessário ao serviço cristão tão grande empenho.

Depreende-se que esse verbo pode ser empregado com refe­rência ao trabalho manual, e Paulo aplicou-o ao seu serviço de confeccionar tendas. "E nos afadigamos", ele escreveu, "traba­lhando com as nossas próprias mãos" (1 Co 4: 12; cf. Ef 4: 28; 1 Ts 4: 11). Mas, em seu modo de ver, o trabalho espiritual en­volvia também muito esforço. Ele reconhecia de imediato a de­dicação das pessoas, tendo enviado saudações especiais no final de sua carta aos Romanos, "a Maria que muito trabalhou por vós" e "à estimada Pérside, que também muito trabalhou no Senhor" (Rm 16:6, 12b). Não que dos outros Paulo esperasse mais do que ele próprio podia dar de si mesmo. Suas labutas pelo evangelho eram fenomenais. Ele podia escrever sobre "trabalhos, vigílias, jejuns" porque, assim como fora o seu Mestre antes dele, não pou­cas vezes as suas atividades sobrepujavam a sua necessidade de comer e dormir. Por isso mesmo é que pôde reivindicar em rela­ção aos outros apóstolos: "trabalhei muito mais do que todos eles" (2 Co 6: 5; 1 Co 15: 10; cf. Gl 4: 11; Fp 2: 16).  Se instássemos com ele sobre a natureza de sua lida, creio que ele nos res­ponderia em termos de duas prioridades apostólicas: "oração e. . . ministério da palavra" (At 6: 4), já que aludiu em sua primeira carta a Timóteo aos seus anciãos "que se afadigam na palavra e no ensino" (1 Tm 5: 17), e aos colossenses descreveu a sua labuta com as palavras "esforçando-me o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim" (Cl 1: 29 - 2: 1; 1 Tm 4: 10), num contexto que parece referir-se à luta em oração a que se entregara em favor dos colossenses.

A bênção de Deus foi abundante no ministério do apóstolo Paulo. Não há dúvida que a este respeito muitas explicações pode­riam ser dadas. Mas até que ponto consideramos essa bênção de­corrente do zelo e do interesse, da quase obsessiva devoção com que Paulo se entregava ao trabalho? Ele se dava ao trabalho sem pensar no que isso lhe custava; lutava sem dar atenção às feridas; trabalhava sem procurar descansar; servia sem procurar pela re­compensa, a não ser o gozo de fazer a vontade do seu Senhor. E Deus fazia prosperar os seus esforços. Mais uma vez, "o lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos".     Bibliografia John R. W. Stott




                    Qualidades de Paulo como missionário

             1. Passando a verdade adiante (1TM ,vs. 1 e 2)

Tu, pois, filho meu, fortifica-te na graça que está em Cristo Jesus. E o que da minha parte ouviste, através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para ins­truir a outros.

O primeiro capítulo termina com a pesarosa referência que Paulo fez à generalizada deserção dos cristãos na província romana da Ásia (1: 15). Onesíforo e sua casa talvez tenham sido a única exce­ção. Agora Paulo insta com Timóteo para que ele se mantenha fir­me, em meio à debandada geral. Esta é a primeira de uma série de exortações similares na carta, que começam com su ounou su de, "tu, pois" ou "mas tu", ordenando que Timóteo resista a várias coisas predominantes naquela época. Timóteo fora chamado a exercer uma responsável liderança na Igreja, não somente a despei­to de sua inata falta de confiança em si mesmo, mas ainda na mesma área onde a autoridade do apóstolo estava sendo repudiada. É co­mo se Paulo lhe dissesse: "Não te importes com o que outras pes­soas possam estar pensando, dizendo ou fazendo. Não te importes com a fraqueza e a timidez que talvez estejas sentindo. Quanto a ti, Timóteo, sê forte!"

É claro que esta exortação, se tivesse parado aí, teria sido inútil, até mesmo absurda.  Dizer a alguém tão tímido como Timóteo para ser forte seria o mesmo que mandar um caracol ser ligeiro ou exigir que um cavalo voasse. Mas o apelo de Paulo à firmeza tem um ca­ráter cristão, nãoestóico. Não é uma exigência de que Timóteo se­ja forte em si mesmo, demonstrando isso rosnando e batendo no peito, mas de que "seja fortalecido interiormente"( A melhor tradução seria "sê fortalecido na graça", com o verbo no passivo simples (Ellicot, p.121), conquanto possa estar no imperativo reflexivo: "fortifica-te (interiormente)" como está na ERAB. O mesmo verbo ocor­re na voz passiva em Ef 6:10 e na ativa em Fp 4:13 e 2 Tm 4:17.) por meio da "graça" que está em Cristo Jesus". Isto significa que Timóteo deve procurar recursos para o seu ministério não em sua própria natu­reza, mas na de Cristo. Não dependemos da graça somente para a salvação (1:9), mas também para o serviço.

Paulo prossegue indicando o tipo de ministério para o qual Ti­móteo terá de fortalecer-se pela graça de Cristo. Até aqui Timóteo foi exortado a conservar a fé e a guardar o depósito (1: 13, 14). Contudo, deve fazer mais do que preservar a verdade, deve passá-la adiante. Assim como a deslealdade da Igreja na Ásia tornava impe­rativo que Timóteo guardasse a verdade com lealdade, assim também a iminente morte do apóstolo tornava imperativo que Timóteo tomasse providências para legar a verdade intacta à geração seguinte. Nesta transmissão da verdade, de mão em mão, Paulo divisa quatro estágios.

Primeiramente, a fé fora confiada a Paulo por Cristo. Por isso é que ele a chamou de "meu depósito" (1: 12). Ela lhe pertence por depósito, não por invenção. Sendo apóstolo de Jesus Cristo, Paulo insiste em que o seu evangelho não é um "evangelho de homens", mesmo que ele o tenha formulado, e outros também. É que não tem base simplesmente na tradição humana. Pelo con­trário, assim pôde escrever ". . . não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo" (Gl  1:11,12).

Em segundo lugar, o que por Cristo fora confiado a Paulo, este por sua vez o confiou a Timóteo. Assim "o meu depósito" (1:12) passa a ser virtualmente "o bom depósito" (v.14); ou seja, o que fora confiado a Paulo é agora a verdade que é confiada a Timóteo. Este depósito consiste em certas "sãs palavras", que Timóteo ou­vira dos lábios do próprio Paulo. A exata expressão "que de mim ouviste" (1: 13, par' emou êkousas) repete-se em 2: 2, tendo agora a referência de que Timóteo a ouvira "através de muitas testemu­nhas". O tempo aorístico parece referir-se não a uma única oca­sião em que Timóteo tivesse ouvido o ensino do apóstolo, como por exemplo no dia do seu batismo ou de sua ordenação ao mi­nistério, mas sim à totalidade de suas instruções através dos anos. E a referência às "muitas testemunhas" mostra que a fé apostóli­ca não era uma tradição secreta, transmitida particularmente a Timóteo (tal era o ensino dos gnósticos), ficando a sua autentici­dade sem provas, mas era uma pública instrução, cuja verdade era garantida pelas muitas testemunhas que, tendo-a ouvido, podiam então conferir o ensino de Timóteo com o do apóstolo.

Esta declaração de Paulo tornou-se importante no século seguin­te, quando o gnosticismo cresceu e se espalhou. Por exemplo, no capítulo 25 de sua obra Prescrições contra os Heréticos(200 d.C), Tertuliano de Cartago escreveu especialmente contra os gnósticos, que diziam terem recebido, só eles, revelações particulares, e tam­bém possuírem tradições secretas herdadas dos apóstolos. Ele não aceita que os apóstolos tivessem "confiado algumas coisas abertamente a todos e algumas coisas a uns poucos, secretamen­te". Porque (assim discorre), em apelando a Timóteo para que "guarde o depósito" não há alusão a uma doutrina secreta, mas a uma ordem para não admitir qualquer outra doutrina, a não ser a que ouvira do próprio apóstolo publicamente ("entre mui­tas testemunhas"), como ele diz.

Em terceiro lugar, o que Timóteo ouviu de Paulo, deve ago­ra "confiá-lo a homens fiéis", os quais seriam certamente encon­trados num remanescente dentre os muitos desertores da Ásia. Os homens que Paulo tinha em mente deveriam ser primeiramen­te ministros da palavra, cuja função principal é ensinar; e anciãos cristãos, com a responsabilidade de, à semelhança dos anciãos judeus na sinagoga, preservar a tradição. Tais anciãos cristãos são "despenseiros de Deus", como Paulo há pouco escrevera a Tito (1: 7), porque tanto a família de Deus como a verdade de Deus lhes foram confiadas. E o requisito fundamental para os despenseiros é a fidelidade (1 Co 4: 1, 2). Devem ser "homens fiéis".

Em quarto lugar, tais homens devem pertencer àquela classe de homens (como o relativo hoitinesdeveria ser traduzido) que sejam "também idôneos para instruir a outros". A habilidade ou competência que Timóteo deve procurar em tais homens será traduzida, em parte, pela integridade ou lealdade de caráter, já referidas, e em parte pela capacidade de ensinar. Eles devem ser didaktikoi, "aptos para ensinar", palavra usada por Paulo em relação aos candidatos ao ministério em 1 Tm 3: 2, e empregada de novo mais adiante, neste mesmo capítulo (2:24).

Aqui estão, pois, os quatro estágios na transmissão da verdade, destacados por Paulo: de Cristo a Paulo, de Paulo a Timóteo, de Timóteo a "homens fiéis", e de "homens fiéis" a "outros". Esta é a verdadeira "sucessão apostólica". Tal sucessão dependeria de homens, de uma série de "homens fiéis", mas essa sucessão dos apóstolos refere-se mais à mensagem em si do que aos homens que a ensinem. Deve ser antes uma sucessão da tradição apostólica do que de autoridade, de sequência ou de ministério apostólicos. Deve ser uma transmissão da doutrina dos apóstolos, deles recebida sem distorções pelas gerações posteriores, passada de mão em mão como a tocha olímpica. Esta tradição apostólica, "o bom depósito", é hoje encontrada no Novo Testamento. Falando de maneira ideal, os termos "Escritura" e "tradição" deveriam ser sinônimos, pois o que a Igreja transmite de geração em geração deveria ser a fé bíblica, nada mais e nada menos. E a fé bíblica é a fé apostólica.

No restante deste segundo capítulo de sua carta, Paulo prossegue abordando o ministério do ensino, ao qual Timóteo foi cha­mado, Como ilustração, Paulo faz uso de seis vividas metáforas.As três primeiras são suas imagens favoritas: o soldado, o atleta, e o lavrador. Em cartas anteriores ele já fizera uso delas, em várias ocasiões, para salientar muitas verdades. Aqui todas elas enfatizam que a obra de Timóteo exigirá vigor, envolvendo tanto labuta quanto sofrimento.

2. Metáfora 1: o soldado dedicado (vs. 3,4)

Participa dos meus sofrimentos, como um bom soldado de Cristo Jesus.   4Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou.

As experiências como prisioneiro deram a Paulo ampla oportuni­dade de observar os soldados romanos e de meditar no paralelo existente entre o soldado e o cristão. Em cartas anteriores, Paulo referiu-se à guerra com principados e potestades, na qual o cristão está envolvido; referiu-se à armadura que deve vestir e as armas que deve usar (Ef 6: 10ss; 1 Tm 1: 18; 6: 12; 2 Co 6: 7; 10: 3-5; cf. Rm 6: 13-14). Mas aqui o bom soldado de Jesus Cristo é as­sim chamado por ser um homem dedicado, que mostra sua dedi­cação por se achar sempre disposto a sofrer e estando permanente­mente em guarda. Os soldados em serviço não contam com se­gurança e facilidade. Pelo contrário, dureza, riscos e sofrimento são aceitos sem contestação. É como Tertuliano expressou em seu livro Address to Martyrs (Palavra aos Mártires): "Nenhum soldado vai à guerra cercado de luxúrias, nem vai à batalha deixan­do um quarto confortável, mas sim uma tenda estreita e provisória, em que há muita dureza, severidade e desconforto". De igual modo, o cristão não deve esperar dias fáceis. Se for fiel ao evan­gelho, certamente experimentará oposição e escárnio. Ele deve­rá sofrer em conjunto com seus companheiros de armas.

O soldado deve sempre se achar disposto a se concentrar no exército, e também a sofrer. Quando em serviço ativo, "não se embaraça em negócios". Ao contrário, liberta-se dos afazeres de natureza civil, a fim de dedicar-se às armas, satisfazendo assim aos seus oficiais superiores, ou "estando inteiramente à disposi­ção de seu oficial comandante". Na expressão de E. K. Simpson, "o espetáculo da disciplina militar fornece uma grande lição de comprometimento". Assim, na Segunda Guerra Mundial, com frequência se dizia, com um sorriso bem significativo: "estamos em guerra". Era uma palavra de alerta, suficiente para justificar toda austeridade, auto renúncia ou abstenção de atividades irrele­vantes, em vista da situação de emergência do momento.

O cristão, que deve viver neste mundo e não se alienar dele, não pode, certamente, esquivar-se das comuns obrigações de seu lar, de seu local de trabalho e de sua comunidade. É verdade que, como cristão, ele deve estar sobremodo consciente do seu dever de bem cumpri-las e não evadir-se delas. Nem deve esquecer-se também do que Paulo relembrou a Timóteo em sua primeira carta, ao dizer que "tudo o que Deus criou é bom e, recebido com ações de graça, nada é recusável. . ." e que "Deus tudo nos proporciona unicamente para nosso aprazimento" (1 Tm 4: 4; 6: 17). Assim, o que se proíbe ao bom soldado de Cristo não são as atividades "seculares", nem "os envolvimentos em negócios desta vida" que, mesmo sendo perfeitamente inocentes, o impeçam de lutar as batalhas de Cristo. Este conselho aplica-se especialmente ao pastor ou ministro cristão. Ele é chamado a dedicar-se ao ensino e ao cuidado do rebanho de Cristo; e há outras passagens, além desta, que o advertem a, se possível, não tomar a carga adicional de prover o seu sustento com algum emprego "secular".

É fato que o próprio apóstolo proveu amiúde o seu próprio sustento, confeccionando tendas; não obstante, ele deixa claro que em seu caso a razão era pessoal e excepcional, ou seja, para que pudesse propor "de graça o evangelho", e assim não criar "qual­quer obstáculo ao evangelho de Cristo" (1 Co 9: 12, 18). Ele ainda vindicou o princípio, para si mesmo e para todo ministro, por ordem do Senhor, de que os que pregam o evangelho devem viver do evangelho (1 Co 9: 14).  De fato, a sua óbvia expectativa era esta a regra geral, e isto precisa ser lembrado em dias como os nossos, quando ministérios "auxiliares", "suplementares" e de tempo parcial têm aumentado em número, ficando o pastor com seus negócios ou com sua profissão, exercendo o seu ministério com o tempo que sobra. Não se pode dizer que tais ministérios estejam em oposição às Escrituras; contudo é difícil conciliá-los com a determinação apostólica de evitar os envolvimentos em negócios desta vida. A liturgia para a ordenação de presbíteros da Igreja Anglicana exorta os candidatos com as seguintes palavras: "Atentai para o zelo que deveis ter na leitura e no ensino das Escrituras. . . e por esta mesma causa deveis renunciar e deixar de lado (tanto quanto possível) todos os cuidados e zelos mundanos, . . . entregai-vos inteiramente a este ofício, . . . aplicai-vos inteiramente a esta causa e dirigi todos os vossos esforços neste sentido".

A aplicação de tal versículo não é somente restrita a pastores. Cada cristão é, num certo grau, um soldado de Cristo, ainda que seja tímido como Timóteo. Não importando qual seja o nossotemperamento, não podemos evitar o conflito cristão. Se que­remos ser bons soldados de Cristo, devemos dedicar-nos à bata­lha, comprometendo-nos com uma vida de disciplina e de sofri­mento, e evitando tudo o que possa nos "envolver" e assim nos desviar do seu propósito.

3. Metáfora 2: o atleta sujeito às regras (v.5)

Igualmente o atleta não é coroado, se não lutar segundo as normas.

Agora Paulo desvia os seus olhos da imagem do soldado romano para a do competidor nos jogos gregos. Em nenhuma competição atlé­tica do mundo antigo (assim como hoje também) o competidor dava uma demonstração de força ou de habilidade ao acaso. Cada esporte tinha as suas regras para a competição, e às vezes também para o treino preparatório.

Cada prova também tinha o seu prêmio, e os prêmios conferi­dos aos jogos gregos não eram medalhas de ouro ou troféus de prata, e sim coroas de ouro. Contudo, nenhum atleta era "coroa­do" se não tivesse competido "de acordo com as regras", mesmo que o seu desempenho tivesse sido brilhante. "Fora do regulamen­to não há prêmio", essa era a palavra de ordem!

A vida cristã é geralmente comparada, no Novo Testamento, a uma corrida, não no sentido de estarmos competindo uns com os outros (conquanto tenhamos que "preferir em honra uns aos ou­tros" — Rm 12: 10), mas no sentido da severa autodisciplina do treinamento (1 Co 9: 24-27), no sentido de que devemos nos de­sembaraçar de todo peso morto (Hb 12: 1-2) e, especialmente nesta passagem, no sentido de que devemos observar as regras.

Devemos correr a corrida cristã nominös, "segundo as leis". A despeito do estranho ensino da assim chamada "nova moral", que insiste em que a lei foi abolida por Cristo, o cristão acha-se sob a obrigação de viver "segundo a lei", de guardar as regras, de obedecer as leis morais de Deus. De fato, ele não está "debaixo da lei", como meio de salvação, que o aprova ou o recomenda perante Deus, antes ela lhe serve como guia de conduta. Ao in­vés de abolir a lei, Deus enviou o seu Filho para morrer por nós a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós", e agora envia o seu Espírito para morar em nós e escrever a sua lei em nossos corações! (Rm 8: 3-4, Jr 31: 33). Além disso não pode haver de outro modo, não porque nossa obediência à lei poderia nos justificar, mas sem a lei damos evidência de nunca termos sido justificados.

O contexto mostra que competir "de acordo com as regras" tem uma aplicação mais vasta do que à que se refere à nossa conduta moral. Paulo está descrevendo o serviço cristão, não somen­te a vida cristã. Parece estar dizendo que os prêmios pelo serviço dependem da fidelidade. O mestre cristão deve ensinar a verdade, construindo com materiais sólidos sobre o fundamento que é Cristo, se quer que a sua obra permaneça e não seja consumida pelo fogo (cf, 1 Co 3: 10-15). Assim, Timóteo deve confiar o depósito a homens fiéis. Somente se ele, como Paulo, perseverar até a fim, combatendo também o bom combate, completando a car­reira e guardando a fé, somente assim poderá ele esperar receber, no último dia, a mais desejável de todas as coroas: "a coroa da justiça" (2 Tm 4:7-8).

4. Metáfora 3: o lavrador diligente (v.6)

O lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos.

Tendo o atleta de competir com honestidade, o lavrador, por sua vez, tem de trabalhar arduamente. O sucesso na lavoura só é conseguido com muito trabalho. Isso é verdade particularmente em países em desenvolvimento, antes de se ter as técnicas da mecanizaçãomoderna. Em tais circunstâncias, o sucesso da exploração agrícola depende tanto do suor como da habilidade. Mesmo sen­do o solo pobre, o tempo inclemente, ou estando o lavrador indisposto, este deve permanecer em seu trabalho. Uma vez posta a mão no arado, não há que olhar para trás. O Rev. Moule escreve sobre a "extenuante e prosaica labuta" do agricultor. Ao contrário do soldado e do atleta, a vida do agricultor é "totalmente desprovida de emoção, distante de toda fascinação decorrente do perigo e do aplauso".

Contudo, a primeira parte da colheita pertence ao lavrador que trabalha. É seu direito. A boa produção deve-se mais a seu esforço e perseverança do que a qualquer outro fator. É por isso mesmo que o preguiçoso jamais será um bom agricultor, como ressalta o livro de Provérbios. Ele sempre porá a perder sua co­lheita, talvez por dormir quando deveria esta colhendo, talvez por ter sido pouco ativo no lavrar a terra no outono anterior, ou talvez por permitir que os seus campos se cubram de urtigas e espinhos (Pv 10: 5; 20:4; 24: 30-31).

A que espécie de colheita se refere o apóstolo? Duas interpre­tações apresentam maiores evidências bíblicas.

Primeira, a santidade como colheita. Verdadeiramente, a santi­dade é "fruto (ou colheita) do Espírito", sendo que o próprio Espírito é o principal agricultor, que produz uma boa safra de qualidades cristãs na vida do cristão. No entanto, nós também temos que fazer a nossa parte. Temos de "andar no Espírito" e "semear no Espírito" (Gl 5: 6; 6: 8), seguindo os seus impulsos e disciplinando-nos, para fazermos a colheita da santidade. Mui­tos cristãos surpreendem-se por não verificarem, em suas vidas, crescimento na santidade. Será que estamos negligenciando o cul­tivo desse campo que é o nosso caráter? "Pois aquilo que o ho­mem semear, isso também ceifará" (Gl 6: 7). Como o Rev. Ryle enfatiza repetidas vezes em seu notável livro Santidade: "não há prêmio sem esforço". Por exemplo:

"Jamais abandonarei a minha convicção de que não há pro­gresso espiritual sem esforços. Não creio no sucesso de um agri­cultor que se contenta em apenas semear os seus campos, abandonando-os em seguida até a colheita, assim como não creio ser pos­sível que um crente alcance muita santidade sem ser diligente em sua leitura bíblica, em suas orações e no bom uso dos seus domin­gos. Nosso Deus é um Deus que se importa com os meios, e nun­ca abençoará a alma de quem se julga ser tão elevado e espiritual a ponto de achar que pode progredir sem eles".

Na expressão de Paulo, "o lavrador que trabalha deve ser o primei­ro a participar dos frutos". E a santidade é uma colheita.

A segunda interpretação é que a conquista de conversões é também uma colheita. "A seara na verdade é grande", disse Jesus referindo-se aos muitos que esperam por ouvir e receber o evan­gelho (Mt 9: 37; cf. Jo 4: 35; Rm 1:13). Nesta seara é claro que "é Deus quem dá o crescimento" (1 Co 3: 6-7), mas ainda assim não temos a liberdade de ficar à toa. Não só isso, mas tanto a semeadura da boa semente da Palavra de Deus como a colheita são trabalhos duros, especialmente quando há poucos trabalhadores. Com muito custo almas são ganhas para Cristo, não com a enge­nhosa e automática aplicação de uma fórmula, mas com lágrimas, suor e dores, e especialmente com oração e sacrifícios. Novamen­te, o "lavrador que trabalha" é que pode esperar obter bons re­sultados.

Este ponto de que o serviço cristão é um trabalho árduo é ho­je tão impopular em certos círculos de cristãos festivos que sinto ser necessário sublinhá-lo com vigor. Já mencionei que o verbo significa "labutar, mourejar". Arndt e Gingrich apontam que, antes de tudo, o sentido é o de "cansar-se, fatigar-se", ou seja, "trabalhar arduamente, exaurindo todas as forças com o traba­lho pesado; empenhar-se, esforçar-se". Tanto o substantivo Kopos como o verbo kopiaö foram termos favoritos de Paulo, e tal­vez nos seja salutar saber que ele cria ser necessário ao serviço cristão tão grande empenho.

Depreende-se que esse verbo pode ser empregado com refe­rência ao trabalho manual, e Paulo aplicou-o ao seu serviço de confeccionar tendas. "E nos afadigamos", ele escreveu, "traba­lhando com as nossas próprias mãos" (1 Co 4: 12; cf. Ef 4: 28; 1 Ts 4: 11). Mas, em seu modo de ver, o trabalho espiritual en­volvia também muito esforço. Ele reconhecia de imediato a de­dicação das pessoas, tendo enviado saudações especiais no final de sua carta aos Romanos, "a Maria que muito trabalhou por vós" e "à estimada Pérside, que também muito trabalhou no Senhor" (Rm 16:6, 12b). Não que dos outros Paulo esperasse mais do que ele próprio podia dar de si mesmo. Suas labutas pelo evangelho eram fenomenais. Ele podia escrever sobre "trabalhos, vigílias, jejuns" porque, assim como fora o seu Mestre antes dele, não pou­cas vezes as suas atividades sobrepujavam a sua necessidade de comer e dormir. Por isso mesmo é que pôde reivindicar em rela­ção aos outros apóstolos: "trabalhei muito mais do que todos eles" (2 Co 6: 5; 1 Co 15: 10; cf. Gl 4: 11; Fp 2: 16).  Se instássemos com ele sobre a natureza de sua lida, creio que ele nos res­ponderia em termos de duas prioridades apostólicas: "oração e. . . ministério da palavra" (At 6: 4), já que aludiu em sua primeira carta a Timóteo aos seus anciãos "que se afadigam na palavra e no ensino" (1 Tm 5: 17), e aos colossenses descreveu a sua labuta com as palavras "esforçando-me o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim" (Cl 1: 29 - 2: 1; 1 Tm 4: 10), num contexto que parece referir-se à luta em oração a que se entregara em favor dos colossenses.

A bênção de Deus foi abundante no ministério do apóstolo Paulo. Não há dúvida que a este respeito muitas explicações pode­riam ser dadas. Mas até que ponto consideramos essa bênção de­corrente do zelo e do interesse, da quase obsessiva devoção com que Paulo se entregava ao trabalho? Ele se dava ao trabalho sem pensar no que isso lhe custava; lutava sem dar atenção às feridas; trabalhava sem procurar descansar; servia sem procurar pela re­compensa, a não ser o gozo de fazer a vontade do seu Senhor. E Deus fazia prosperar os seus esforços. Mais uma vez, "o lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos".     Bibliografia John R. W. Stott

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